os "ismos" e os "istas"
ensaio de laís corrêa de araújo

 

O sufixo "ismo" é de origem grega e sua função é a de acrescentar à palavra-raiz um novo sentido, que amplia o vocábulo e lhe dá característica própria. Quando falamos, por exemplo, Marxismo, estamos explicando que se trata da filosofia, da doutrina, do sistema baseado nas proposições do pensador Karl Marx. Quanto ao sufixo "ista", é usado para qualificar um indivíduo, mostrando-o como seguidor de um sistema determinado - e assim dizemos simplesmente as palavras marxista, comunista, anarquista, fascista, nazista, etc.

O problema é que a linguagem é, muitas vezes, usada para rotular, classificar, conceituar algo que não conhecemos bem e que o nosso senso comum, vulgar, nos indica como indicador da atitude ou do pensamento de um ser humano. É uma forma grosseira de expressar um "juízo" a respeito do outro. Um exemplo é dizer que o anarquismo ou o anarquista reúne as peculiaridades da confusão, da bagunça, da desobediência, quando a palavra-origem (grega, de novo) significa o "não" ao poder e a capacidade do indivíduo de governar-se sozinho, rejeitando o domínio do Estado. Também é mais fácil dizer que "Fulano é comunista" quando alguém luta pela igualdade social, o fim do uso dos empregados pelos patrões, a liberdade de ter ou não sua crença, sua religião. Nesse caso, podemos até classificar o Cristo como comunista, porque ele defendia os pobres, os excluídos, prostitutas, adúlteras e a horda de gente desprezada pela sociedade...

Trata-se, no fim das contas, de preguiça mental, de ignorância ou de simplória acomodação ao uso geral das palavras. Ninguém ou quase ninguém se interessa em buscar a origem (a etimologia) e o verdadeiro sentido (a semântica) de nossa fala. Nós queremos é simplificar, dar um rótulo, uma classificação, usar uma etiqueta para não termos o trabalho de entender, de compreender, de "gastar a cabeça" com o raciocínio e os fundamentos lógicos dos termos da fala cotidiana. Essa atitude, porém, nos leva também aos argumentos vazios ou tendenciosos. Se eu digo que, no Brasil, há uma crônica "má distribuição de renda", sempre me respondem com uma pergunta idiota - "por que você não vai para Cuba? - para a Rússia? - para a China?" - como se eu não estivesse falando de problemas brasileiros, nossos, de nosso povo. Quanta tolice existe na boca dos que se assustam com mudanças, com o que é novo e diferente! É por este medo que o "capitalismo" e o "aristocratismo" nos tornam "conservadoristas", aqueles que não querem se mover de seu lugar, os "deixa como está!" É por este medo que os poderosos não dão valor à educação e à arte, à cultura - o medo de ficarmos sabendo, criticando, colocando em dúvida seus decretos e seu "autoritarismo" sobre nossa consciência de valores.

Temos, ao menos, de saber jogar as cartas de baralho da linguagem, os "ismos" e os "istas" com um pouco de cuidado, para não sermos vencidos também no jogo da vida.