Ás vezes penso que nasci embrulhada em papel, um
papel cheio de letrinhas. Sempre existiram muitos livros, revistas e jornais em todas as casas onde vivi. O Diário de Notícias chegava cedinho lá em casa, a minha mãe era a primeira a lê-lo. E as revistas também chegavam com muita freqüência, o meu pai assinava a Vida Mundial, o Observador e sei lá quantas outras, umas interessavam-me e outras apenas seriam mais tarde material para as infinitas colagens que realizava com algumas delas. Os livros tinham um espaço próprio, nessas estantes acumulavam-se diversos gêneros literários e todos nós tínhamos acesso livre. A história fazia parte das preferências, mas havia alguns livros de arte que eu adorava folhear em menina, alguns desses livros estão comigo hoje, fazem parte do meu imaginário e da minha vida. A minha avó sempre dizia que a minha mãe se escondia debaixo da cama para ler romances, escondia-se para fugir às horas de lavores femininos obrigatórios nesse tempo. E devo a ela e à sua paixão pelo sonho e pela leitura, toda a liberdade em que cresci e sempre sonhei. Tinha muito tempo só para mim, sem obrigações caseiras e assim fui vivendo cheia de sonhos e cresci acreditando nas transformações da humanidade. A poesia foi tomando conta de mim aos poucos, no início pela identificação de sentimentos e as formas de ver o mundo dos seres tão estranhos que habitam a terra. Depois pelas possibilidades de expressão e comunicação desafiadoras. Assim o desenho e as letras sempre andaram de mãos dadas no meu universo. Nunca os desassociei, e o diálogo é sempre tão fascinante. Quando pego num livro, primeiro é a linguagem visual que me detem, olho a capa, o formato, as cores, o objeto estético que é, depois vem o autor, o título, enfim o conteúdo em si. Hoje temos os livros eletrónicos, a comunicação via computadores, que também me envolvem profundamente. Através da mídia magnética temos a rapidez e o acesso a muitas leituras que antes nos eram difíceis ou desconhecidas. Mas nesta nova forma de comunicação é fundamental a base do conhecimento e este não dispensa nunca o livro em si, é isso, o papel é o princípio, o meio e a continuação do conhecimento. Da mesma maneira que o conhecimento oral é importante, as mídias magnéticas também o são. Não imagino o meu mundo sem um pedaço de papel para desenhar, para escrever e para ler. E com o meu companheiro de vida, a família e os amigos, partilho esta paixão por esses objetos tão misteriosos que são os livros. Constança Lucas
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Texto
publicado no Boletim da Livraria - Centro de Cultura - "Alpharrabio" - Novembro
de 1996